1) Por que limitar o acesso ao poder?
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Concentração excessiva: quando cargos e privilégios dependem apenas de credenciais formais (títulos académicos, status socioeconómico, pertença partidária), tende a formar-se uma elite fechada.
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Risco de captura institucional: elites podem usar poder para proteger interesses próprios, bloqueando renovação democrática.
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Perda de confiança pública: as populações percebem que o mérito e o serviço real pouco contam, alimentando abstencionismo e descrédito nas instituições.
👉 Limitar acesso ao poder não significa enfraquecer a democracia, mas sim abrir mecanismos de distribuição de autoridade, garantindo que esta seja responsiva e descentralizada.
2) O que são “poderes de base” e “poderes civis”?
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Poderes de base: competências comunitárias, de decisão local ou setorial, atribuídas a grupos sociais, coletivos de cidadãos, cooperativas, associações.
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Poderes civis: autoridade não derivada do Estado central ou de títulos académicos, mas da prestação de serviço público ou tecnológico (p. ex. manutenção de uma rede de dados comunitária, auditoria de contratos públicos em blockchain, ou prestação de serviços digitais que beneficiem a coletividade).
Exemplo: um coletivo que mantém um sistema local de energia renovável automatizado teria legitimidade para deliberar sobre políticas energéticas locais.
3) Tecnologias que podem fundamentar esse novo desenho
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Automação
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Liberta tempo e recursos; permite que cidadãos se envolvam mais na gestão comunitária.
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Pode servir como métrica de contribuição: quem automatiza processos públicos que poupam custos e aumentam eficiência deve ter voz proporcional na governação do sistema.
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Inteligência Artificial
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Usada como ferramenta de auditoria contínua (detetar corrupção, favoritismos, má gestão de recursos).
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Facilita consultas populares em grande escala, analisando contributos cidadãos e ajudando na formulação de políticas.
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Serve para democratizar informação e nivelar o acesso ao conhecimento, reduzindo a vantagem de elites “credenciais”.
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Blockchain e tecnologias de registo distribuído
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Permitem registos públicos imutáveis de decisões, votos, contratos, garantindo transparência.
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Criam novos sistemas de confiança sem intermediários (governação descentralizada, smart contracts).
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Podem atribuir “poder civil” com base em participação real e mensurável:
• número de horas dedicadas a projetos comunitários,
• auditorias validadas por pares,
• participação em assembleias digitais.
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4) Modelos possíveis (exemplos)
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Orçamentos participativos em blockchain: qualquer cidadão que prove ter contribuído para serviços digitais comunitários ganha “poder de voto” adicional em decisões sobre investimentos locais.
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Assembleias digitais descentralizadas: decisões registadas em contratos inteligentes, onde o poder de voto não depende da riqueza nem de diplomas, mas de reputação comunitária comprovada.
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Poder civil automatizado: cidadãos que mantêm sistemas públicos de automação (mobilidade, energia, informação) acumulam legitimidade para influenciar políticas relacionadas.
5) Desafios e salvaguardas
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Evitar tecnocracia digital: não se pode substituir elites académicas por elites tecnológicas exclusivas. É preciso garantir acessibilidade universal às ferramentas digitais.
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Proteção contra manipulação algorítmica: IA usada para governança deve ser auditável, explicável e controlada por órgãos independentes.
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Inclusão digital: sem políticas fortes de literacia tecnológica, arrisca-se criar um novo fosso entre cidadãos “conectados” e “desconectados”.
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Garantia de direitos: mesmo num modelo baseado em blockchain/IA, devem estar consagrados limites constitucionais (direitos humanos, igualdade, liberdade de expressão).
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